Entrevistas
Entrevista: José C. Motta-Junior

Por: Willian Menq | 02 de agosto de 2010
 
 

Biólogo, o Prof° Dr° José C. Motta-Junior é docente e pesquisador pela USP, um dos maiores nomes do Brasil quando o assunto é Strigiformes.

Olá José C. Motta-Junior, tudo bem, obrigado por ceder essa entrevista para o Aves de Rapina BR. Fale um pouco sobre você, onde nasceu e onde vive.
R - Nasci em São Carlos, SP em 1964, mas atualmente vivo em São Paulo-SP como docente/pesquisador pela USP - Instituto de Biociências - Depto. Ecologia.

Como iniciou sua carreira na biologia, em especial às corujas?
R - Amadoristicamente me interessei desde os 10-12 anos por formigas e aves, observando-as no quintal ou no campo. Ao entrar no colégio (antigo segundo grau) usava uma luneta para minhas primeiras observações ornitológicas mais sistemáticas, num processo de aprendizado de reconhecimento das espécies, usando o guia de Dalgas-Frisch, na época praticamente o único disponível.

Fale um pouco sobre suas pesquisas:
R - Na universidade (UFSCar, onde fiz graduação) após breve estágio com comportamento de formigas, me decidi em procurar orientação em aves e fiz minha iniciação científica com levantamento de aves no campus UFSCar. O mestrado fiz nas matas de galeria do DF com frugivoria em aves e o doutorado na região central de São Paulo (São Carlos e arredores) sobre ecologia trófica de cinco corujas simpátricas. Atualmente como docente na USP me interesso por ecologia de aves de cerrado em geral e especificamente ecologia de corujas, incluindo censo, uso de habitat, dieta e comportamento de tumulto "mobbing behaviour" provocado em outras aves (potenciais presas), não necessariamente nesta ordem.

Qual a sua coruja favorita? comente um pouco sobre tal espécie.
R - Asio stygius, mocho do diabo. Em meus levantamentos ornitológicos de iniciação científica em 1985-1986 tomei um primeiro contato com esta magnifica espécie no cerrado do campus UFSCar. Me impressionou seu porte e 2 tufos de penas no topo da cabeça. Como descobri seus poleiros obtive pelotas com restos de inumeras aves e dai resolvi estudar sistematicamente a dieta da espécie. A partir daí me decidi em focar um pouco mais para corujas. Outra que me impressiona é Asio clamator, por suas garras desproporcionalmente maiores o que consequentemente lhe faculta pegar presas maiores.

Dentre as corujas Brasileiras, existem espécies que realizam movimentos migratórios? quem são elas?
R - Asio flammeus com certeza, mas outras espécies ainda faltam dados. Aparentemente a maioria absoluta é residente ou no máximo faz deslocamentos/dispersão regionais

Nas ultimas décadas muitos strigiformes vem sendo visualizados nos centros urbanos, isso é reflexo do desmatamento? que vantagens e desvantagens esse ambiente oferece as corujas?
R - Pode ser em parte devido a destruição de habitats naturais, mas também devido a oferta de comida abundante. Asio stygius, p. ex. pode localizar a noite poleiros de aves gregárias como pardais e predar varios. A desvantagem é o encontro com seres humanos não simpáticos e mortes por eletrocução/atropelamento, etc. mais fácil em zonas urbanizadas.

Na ultima lista de espécies brasileiras ameaçadas de extinção elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente (2003), não havia nenhuma coruja inclusa, só nas listas regionais algumas aparecem. Porque existem tão poucas espécies ameaçadas?
R - 1) Falta de conhecimento, aves mais difíceis de estudar (maioria noturna); 2)não são tão coloridas/"simpáticas" como, p.ex. psitacídeos (nada contra eles, que fique claro). Opinião pessoal (sei que alguns vão se irritar): nas listas atuais não se leva a sério a categoria Deficiente em Dados, porém se pensarmos que uma parcela dessas espécies DD o são por serem de fato espécies raras, no futuro poderemos nos arrepender amargamente ao descobrir que algumas delas eram de fato raríssimas/ameaçadas. Sou da opinião que na dúvida - prefiro o bicho. Volto a insistir que no futuro poderemos nos arrepender por esse "objetivismo"(?!) e "rigor"(?!) cultuado nas listas oficiais, querendo alguns biólogos serem "mais realistas que o rei", em detrimento da conservação das espécies, mas em favor de parecerem "sérios" para os burocratas do governo.

De quê forma as crendices populares podem afetar as corujas em geral? Por que nos tempos de hoje o preconceito contra essas aves ainda ocorre?
R - Embora na Grécia antiga as corujas eram associadas a sabedoria, com o surgimento do cristianismo na Europa elas foram associadas ao "mal" e desde então infelizmente algumas pessoas ainda não gostam de corujas. Bichos noturnos, olhos refletem luz vermelha quando iluminados por lanterna, gritos/vocalizações na escuridão, antigas crendices, e principalmente falta de informação, tudo isso contribui para uma parcela das pessoas não simpatizarem com as corujas. Perseguições e até mortes são daí derivadas. Mais divulgação científica sobre as corujas pode ajudar a desmistifica-las.

Qual foi sua experiência mais marcante em suas andanças noturnas?
R - Na verdade foi diurna: um caburé (Glaucidium brasilianum) que gerou tumulto em várias aves, predou uma delas - uma tesourinha (Tyrannus savana), quase metade da massa corporal do caburé (figura 1). A descrição completa e fotos podem ser vistas nesse link (Link do artigo)


Figura 1. Depois da queda tanto do predador como da presa no solo, a coruja
voou para outro galho com sua presa quase morta; note as penas da presa no
bico do caburé. Foto de:
J. C. Motta-Junior

O estudo com aves é uma área que causa fascínio entre os jovens estudantes de Biologia. Que mensagem e/ou conselhos você daria a esses jovens que pretendem seguir nesta área?
R - Ter paciência e perseverança ajudam muito. Acima de tudo ter gana/prazer no que faz, não fazer estudos apenas por serem "da moda", pensando em publicar em revista "A da CAPES", mas porque de fato gosta de fazê-los.

José Carlos Motta-Junior

LABECOAVES - Laboratório de Ecologia de Aves
Depto. de Ecologia
Instituto de Biociências Universidade de São Paulo,
São Paulo - SP
Brasil