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Aves de rapina como propagadoras de incêndio: verdade ou mito?
Por: Willian Menq | 06 de março de 2016
 
 

Milhafre-preto (Milvus migrans) voando próximo à incêndio. Foto: Blog The Northern Myth

Nas ultimas semanas, esse é um dos assuntos mais comentados e compartilhados nos grupos e fóruns de discussão específicos pela web. Será mesmo verdade?

As aves de rapina são capazes de propagar fogo na vegetação para acuar suas presas? Sim, diz um estudo etnobiológico sobre a curiosa relação entre o fogo e duas aves de rapina australianas. A pesquisa conduzida pelo geógrafo Penn State Mark e pelo advogado Bob Gosford, relata que o falcão-marrom (Falco berigora) e o milhafre-preto (Milvus migrans) têm o hábito de usar propositalmente galhos em chamas ou brasas para iniciar incêndios em outros locais, dessa forma acuando possíveis presas para fora da vegetação.

"Há evidências convincentes de que essas duas espécies atuam como propagadoras de fogo dentro das savanas australianas e talvez em biomas semelhantes em outras partes do mundo" escreveu Bob Gosford em seu blog.

No entanto, os pesquisadores não tem nenhuma evidência documentada deste comportamento, contam apenas com relatos de guardas florestais e indígenas locais. Essa ausência de evidências documentadas causou certa desconfiança entre aqueles que acompanham o estudo, inclusive a mim. Defensores do tema, no entanto, argumentam que não seria difícil aves de rapina usarem o fogo como tática de caça. Muitas espécies de rapinantes que vivem em áreas propensas a incêndios já associam o fogo à oferta de alimento, voando próximo às chamas para capturar presas acuadas pelas labaredas ou incendiadas pelas mesmas. Dessa forma, as aves poderiam aprender e tentar replicar o cenário. Algumas espécies também são capazes de manipular ferramentas ou elaborar armadilhas para as suas presas. As garras e os tarsos rígidos dessas aves poderiam dar a proteção necessária contra as brasas ou galhos em chamas.


Será então verdade? Vamos aos fatos...

De fato, muitas espécies de rapinantes que vivem em savanas e campos naturais podem se aproximar de incêndios e associá-los a oportunidade de caça, como é o caso dos nossos brasileiríssimos gavião-caboclo (Heterospizias meridionalis), falcão-de-coleira (Falco femoralis), gavião-pernilongo (Geranospiza caerulescens) dentre outros (Sick 1997; Fergunson-Lee & Christie 2001). Mas devido a esse mesmo comportamento, surgiram diversas lendas pelo mundo afora de que alguns gaviões incendeiam áreas para capturar suas presas. No Brasil mesmo, na região pantaneira, muitos peões acreditam que o gavião-caboclo (H. meridionalis), por lá chamado de gavião-fumaça, seja capaz de coletar galhos em brasa para propagar o incêndio e continuar caçando (Paschoal 2012).

É fato também, que as aves de rapina são inteligentes e podem desenvolver estratégias de caça interessantes, algumas podem manipular ferramentas, encontrar soluções para alguns problemas complexos, e até replicar um comportamento observado por outros animais (Fox 1995; Alcock 2011; Monsalvo 2015, Krock 2015). Mas até o momento não há nenhum estudo cientifico que comprove ou aponte que as aves de rapina sejam capazes de carregar brasas e propagar incêndios.

Por fim, acredito que as aves de rapina são suficientemente inteligentes para desenvolver tal comportamento. Porém, devemos ter cuidado ao analisar estudos etnobiológicos, como o executado pelos autores, informações etnobiológicas por si só muitas vezes não são confiáveis, é necessário um suporte documental. Dessa forma, enquanto não houver observações de campo, preferencialmente documentadas, essa história continuará sendo apenas um mito, ao menos para mim.

Referências:

Alcock, J. (2011) Comportamento animal – uma abordagem evolutiva. 9 ed. Artmed.

Ferguson-Lees, J. & D. A. Christie (2001) Raptors of the World. New York: Houghton Mifflin Company.

Gosford, B. (2015) Ornithogenic Fire: Raptors as Propagators of Fire in the Australian Savanna.
The Northern Myth - Blogs Crikey. Disponível em: <http://blogs.crikey.com.au/northern/2015/11/08/ornithogenic-fire-raptors-as-propagators-of-fire-in-the-australian-savanna/> Acesso em março de 2016.

Fox, N. (1995) Understanding the Bird of Prey. Hancock House Publishing, Blaine,WA.

Krock, L. Bird Brain. NOVA/ScienceNow, PBS. Disponível em: <http://www.pbs.org/wgbh/nova/sciencenow/3214/03-brain.html> Acesso em março de 2016.

Monsalvo, J. A. B. (2015) A inteligência das aves - parte 2: a controvérsia do uso de ferramentas - Instituto Aprenda.Bio. Disponível em: < http://www.aprenda.bio.br/portal/?p=10651 > Acesso em fevereiro de 2016.

Paschoal, F. (2012) Verdade ou mito? Gavião-fumaça coleta galhos em brasa para alimentar incêndios e continuar caçando. Blog National Geographic Brasil – seção curiosidade animal. Disponível em: < http://viajeaqui.abril.com.br/national-geographic/blog/curiosidade-animal/onde-ha-fumaca-ha-gaviao/> Acesso em março de 2016.

Sick, H. (1997) Ornitologia brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

 

Citação recomendada:

Menq, W. (2016) Aves de rapina como propagadoras de incêndios? - Aves de Rapina Brasil. Disponível em: < http://www.avesderapinabrasil.com/arquivo/artigos/ARB4_1.pdf > Acesso em: .