Observando rapinantes
Identificação de aves de rapina
Por: Willian Menq | 14 de abril de 2018

 
 

As aves de rapina é um dos grupos mais difíceis de identificar em campo. A plumagem dessas aves varia desde o branco puro até o negro, passando por todos os tons de cinza, marrom e ferrugíneo. Algumas espécies possuem variações de plumagens tão complexas que até o observador de aves mais experiente pode ficar em dúvidas durante a identificação.

Além disso, existem algumas famílias de aves, como as gaivotas (Laridae), pombas (Columbidae), cegonhas (Ciconiidae), bacuraus (Caprimulgidae) e andorinhões (Apodidae), que podem ser confundidas com uma ave de rapina. Por isso, o primeiro passo é decidir se a ave que está observando é um rapinante ou não.

Em seguida é preciso definir qual o grupo/família a ave pertence, se é Cathartidae (urubus), Accipitridae (gaviões, águias), Strigidae (corujas) ou Falconidae (falcões). Também é importante familiarizar-se com os nomes das partes das aves (ex. primárias, dorso, ventre, tarsos), conhecê-los ajuda na identificação das espécies. O esquema com os nomes das partes das aves pode ser consultado neste link.

Rapinantes pousados

As primeiras características a serem observadas em um rapinante pousado é a forma do corpo e as suas proporções: o comprimento da ave, detalhes do bico e da cabeça (coloração da cera, se há partes nuas na face, formato da cabeça, cor da íris), comprimento dos tarsos e padrões de faixas da cauda. Outra característica que poder muito útil na identificação é ver o comprimento da ponta das asas em relação a extremidade da cauda.

Em seguida, é importante atentar-se a coloração da ave, especialmente do ventre e da face, regiões onde se concentra a maioria das marcas diagnósticas. Observe possíveis desenhos/faixas na face, se há barras ou estrias no ventre e a cor dos calções. Com um pouco de experiência, a combinação de várias destas características permitirá no mínimo a identificação do gênero.

A coloração predominante do dorso e do ventre (incluindo faixas e desenhos na face e no corpo) é importante na identificação de muitas espécies, também fundamental na determinação da idade da ave. Pela coloração é possível distinguir um carrapateiro (Milvago chimachima) de um chimango (Milvago chimango), um falcão-peregrino (Falco peregrinus) de um falcão-de-peito-laranja (Falco deiroleucus) ou gavião-de-rabo-branco (Geranoaetus albicaudatus) jovem de um adulto.

Existem situações que só é possível identificar a espécie através de características sutis da plumagem. O caburé (Glaucidium brasilianum) e o caburé-miudinho (Glaucidium minutissimum), à primeira vista, parecem idênticas. Um detalhe discreto no alto da cabeça é comumente utilizado para diferenciar essas espécies quando não estão cantando. A G. brasilianum possui estrias brancas no alto da cabeça, diferente da G. minutissimum que possui pequenas “pintinhas” brancas nessa parte. Alguns rapinantes são identificados visualmente pela quantidade de faixas da cauda, como o é o caso dos falcões-florestais (Micrastur spp.) da região amazônica.

Em outros casos a coloração da plumagem é irrelevante na identificação, sendo necessário observar o shape da ave (forma e proporções). Um exemplo clássico é o jovem “forma clara” do gavião-de-cabeça-cinza (Leptodon cayanensis). Sua coloração é idêntica à do gavião-pato (Spizaetus melanoleucus), diferencia-se pelos tarsos curtos, grande área nua na face, olhos posicionados mais lateralmente, cavidade das narinas em forma de fenda, sem a presença da estrutura óssea sobressaliente acima dos olhos e tarsos desplumados.


O jovem “forma clara” do gavião-de-cabeça-cinza (Leptodon cayanensis) possui plumagem idêntica à do gavião-pato (Spizaetus melanoleucus).

O comprimento das primárias (ponta das asas) em relação a extremidade da cauda é determinante na identificação de alguns gaviões. O sovi (Ictinia plumbea) e o sovi-do-norte (Ictinia mississippiensis), por exemplo, são praticamente idênticos quando pousados. No entanto, o I. plumbea é identificado pela ponta das asas (penas primárias) sobressalientes em relação a extremidade da cauda, ao contrário do I. mississippiensis que tem a cauda comprida, de forma que a ponta das asas não ultrapassa a cauda. O gavião-de-rabo-branco (Geranoaetus albicaudatus) é muitas vezes identificado pela mesma característica, suas penas primárias são bem sobressalientes em relação a cauda.


Detalhe da ponta das asas (penas primárias) sobressalientes em relação a extremidade da cauda do sovi (Ictinia plumbea), ao contrário do sovi-do-norte (I. mississippiensis) que tem a cauda comprida, de forma que a ponta das asas não ultrapassa a cauda.

O formato e a extensão do bico podem ser úteis na identificação de rapinantes que possuem bicos peculiares, como o gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis), gavião-do-igapó (Helicolestes hamatus) e caracoleiro (Chondrohierax uncinatus).

A cor da íris também é crucial na diferenciação de espécies similares. O gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis) e o gavião-do-igapó (Helicolestes hamatus) possuem aparência e comportamento quase idênticos e a melhor forma de distingui-los é pela cor da íris, vermelha no R. sociabilis e amarela no H. hamatus. O mesmo serve para identificar o falcão-caburé (Micrastur ruficollis) subespécie concentricus, da região amazônica, que possui íris castanha (enquanto as outras espécies similares, M. gilvicollis e M. mintoni, possuem íris branca).


O gavião-do-igapó (Helicolestes hamatus) e o gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis) se diferem principalmente na cor da íris, vermelha no R. sociabilis e amarela no H. hamatus.

Rapinantes em voo

Ao contrário da maioria das aves, as aves de rapina são mais fáceis de serem identificadas em voo. Mesmo assim, há muitas situações desafiadoras, além da variedade de formas e plumagens complexas, há espécies que voam muito alto ou são rápidas, dificultando uma observação detalhada.

Quando encontrar uma ave de rapina estranha em voo, concentre-se primeiro nas proporções da silhueta: comprimento da cauda e formato das asas, se as extremidades das asas são “pontiagudas”, “arrendadas” ou com “dedos livres”. Em seguida, tente visualizar o padrão de faixas da cauda e a coloração do ventre (ver se há estrias ou barrado), e veja a parte inferior das asas (vulgarmente chamada de “axilas”). Observe também o tipo de voo da ave, se está planando em círculos ou voando rápido e reto.

Os rapinantes de maiores tamanhos são adaptados para planar por longas horas, suas asas são compridas, largas e providas de “dedos livres” (primárias). O formato das asas e a proporção da cabeça e cauda são importantes para a identificação em alguns casos. A águia-pescadora (Pandion haliaetus) tem as asas flexionadas, como um cotovelo em “V” à frente do plano da cabeça, lembrando uma gaivota, silhueta única que permite a identificação da ave mesmo distante. Os tartaranhões (rapinantes do gênero Circus), possuem silhueta bem característica, as asas são compridas e retangulares e cauda é longa, adaptação que os permite voar lentamente e à baixa altura sobre pântanos e alagados. Os falcões do gênero Falco também são fáceis de identificar em voo, eles possuem asas longas, afiladas e cauda curta, aerodinâmica especializada em voos rápidos e execução de manobras ágeis.

Chegando a este ponto, pode ser útil consultar a página rapinantes em voo, para ter uma ideia da grande variedade de tamanhos e silhuetas. Compare as fotografias de espécies semelhantes a que deseja identificar, atente-se as características diagnósticas descritas nos textos de auxilio, muito úteis para identificação.


Diferentes formas de silhueta entre as aves de rapina.

Use também guias de campo para identificar as aves. Guias como o Raptors of the World field guide [J. Ferguson-Lees & D. A. Christie]; Aves do Brasil: Pantanal & Cerrado, Mata Atlântica do sudeste [R. S. Ridgely, J. A. Gwynne, G. Tudor & M. Angel], ou o Birds of South America: Non-Passerines [F. Erize, J. R. R. Mata, & M. Rumboll] são ótimos exemplos. Analise os mapas de distribuição, veja se o local de sua observação está dentro da área de ocorrência da espécie.

Vocalizações

Alguns gaviões, falcões-florestais (Micrastus spp) e a maioria das corujas, vocalizam com frequência e possuem chamados bem distintos. No entanto, a maioria das aves de rapina são silenciosas, cantam pouco e tem chamados genéricos. O chamado agudo de muitos gaviões (Buteo) e o grito de muitos falcões (Falco spp.) algumas vezes são indecifráveis.

A maioria dos rapinantes são vocalmente mais ativos no período de paradas nupciais, que precedem a nidificação e cuidados com a prole. Espécies que raramente vocalizam, como o gavião-pato (Spizaetus melanoleucus), podem ser ouvidas cantando e fazendo exibições aéreas.

Outras pistas

Outros elementos podem ser muito importantes na identificação das espécies, como o local do registro, a data, hábitat, comportamento da ave, dieta, modo de voo e vocalização. Por exemplo, um caracará registrado no Rio Grande do Sul certamente é o Caracara plancus e não o Caracara cheriway (que ocorre apenas no norte do país). Um Ictinia registrado no mês de junho no Mato Grosso é mais provável que seja o I. plumbea do que o I. mississippiensis (que só passa pela região a partir de agosto/setembro). Um gavião de cor cinza e calções ferrugíneos avistado na borda da mata predando uma rolinha é mais provável de ser o gavião-bombachinha-grande Accipiter bicolor (que possui dieta ornitófago) do que o gavião-bombachinha Harpagus diodon (que é basicamente insetívoro).

Conclusões

Uma vez tenha efetuado todas as descrições possíveis de uma ave de rapina desconhecida, é possível que tenha uma ideia da espécie ou do grupo ao qual pertence. Olhe as páginas deste site ou consulte guias de identificação, veja se as descrições coincidem com a espécie e analise as espécies parecidas.

Antes de viajar para um novo lugar, estude previamente as aves existentes na região e suas características diagnósticas para identificação. Isso o ajudará a reconhecer com mais agilidade as espécies em campo, permitindo que observe a ave com prazer (e não com desespero). Com o tempo, experiência e prática, estará familiarizado com a maioria dos rapinantes de sua região ou do Brasil. Saídas a campo e discussões com observadores mais experientes também são importantes na formação de um bom "rapinólogo".

Caso não tenha conseguido identificar a ave não se desespere. Algumas espécies são realmente difíceis de identificar, até observadores experientes podem se confundir.

Na dúvida procure sempre um especialista, é possível publicar suas fotos/sons no Wikiaves ou em grupos de “Identificação de aves (Facebook)”, membros mais experientes vão esclarecer suas dúvidas e identificar a espécie.

Dica fundamental para todas as situações: Ao ver um rapinante estranho, fotografe!! Tire o máximo de fotografias possíveis. Mesmo que as fotos não fiquem muito boas, na maioria das vezes é possível uma correta identificação.

 

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